Meditação

crianca_meditandoComo primeiro texto posto um artigo sobre meu assunto favorito “MEDITAÇÃO”. Tem certas coisas que não acontecem por acaso. Faz muito tempo que procuro um artigo sobre “meditação” que encerre de uma vez por todas essa questão para mim pois já li muito, pratiquei, mas ainda não tinha consolidado um conceito. Estava eu na minha livraria na seção de revistas e entre outras passo a vista na revista “Sophia” com o título de capa: “Meditação passo a passo”. Comecei a folhear e fui me surpreendendo com a qualidade dos artigos, já conhecia a revista mas este exemplar me chamou a atenção, comprei.

          Chego em casa e para minha surpresa o exemplar era de abril/junho de 2011 (como ainda estava lá ? Coincidência ?), tudo bem. Passei a ler e quando iniciei o artigo sobre meditação o primeiro parágrafo já resumiu o que eu queria, o resto seria apenas uma confirmação, e foi. Digito o artigo aqui com os devidos créditos pois penso que poderá ser útil para mais alguém, como foi para mim.

          “Crescei como a flor, ansiosa para abrir sua alma ao vento. Igualmente deves esforçar-te para abrir tua alma ao eterno. Mas deve ser o eterno a desenvolver tua força e beleza, não o desejo de crescimento.”

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Vicente Hao Ching Jr.*

          O propósito da meditação é geralmente duplo. O primeiro é tranquilidade no viver; isso significa calma na mente, sentimentos e corpo. O segundo é despertar nossos mais elevados potenciais espirituais, um estado de realização que fundamentalmente resolve as questões básicas da existência. Esse estado é descrito como “chegar em casa”, retornando à nossa natureza básica, além das camadas da psique com as quais habitualmente nos identificamos, e além até mesmo da nossa faculdade de pensar como normalmente a usamos. Essa experiência também é descrita como união mística, iluminação, consciência cósmica, autorrealização e auto-transcendência.

          O primeiro propósito – atingir a tranquilidade – é prático, buscado por todos aqueles que praticam a meditação. O segundo propósito, no entanto, não é a meta de todos os meditadores. Ele não ressoa no íntimo de algumas pessoas. Intelectualmente elas concordam quanto à sublimidade dessa meta, mas não desejam passar pelo que isso acarreta: uma total transformação na vida, não apenas o cessar dos ruídos diários da mente.

          Esse segundo propósito, no entanto, é o verdadeiro propósito da meditação. O primeiro é apenas um estágio intermediário que leva ao segundo. Sem atingir o primeiro objetivo, o segundo é impossível. Assim, no estudo e na prática da meditação, devemos lidar com ambos.

Calma na vida e nos pensamentos

          A tranquilidade no viver envolve duas facetas: uma sólida filosofia de vida e o domínio sobre a mente, as emoções e o corpo. Uma sólida filosofia de vida é frequentemente o fator principal que estimula a pessoa a passar por práticas de autodesenvolvimento como a meditação. Basicamente, meditação significa domínio sobre a mente, mas acarreta domínio similar sobre as emoções e o corpo, precondições importantes para a calma mental.

Sólida filosofia de vida

          Uma saudável visão da vida e do mundo, integrada e consistente, é um ingrediente importante para uma vida tranquila. Uma filosofia assim consiste em uma compreensão objetiva da vida e da realidade humanas, e a adoção de valores essenciais na vida da pessoa.

          Compreensão objetiva significa estar livre de superstições e de informações distorcidas, não estar indevidamente aprisionado por condicionamentos perniciosos como medos e preconceitos, que não nos permitem ver a realidade como ela é.

          Valores transparentes são o outro pilar de uma sólida filosofia de vida. Significa ver que verdade, sinceridade, gentileza e amor são as corretas fundações da ação humana. Quando circunstâncias externas como o trabalho ou o meio de vida  são inconsistentes com os valores internos, no coração e na mente surge um conflito contínuo que não permitirá a verdadeira equanimidade. Assim, como uma fundação para a vida tranquila, a pessoa deve primeiramente se assegurar de que não adota um modo de vida que contradiga seus valores básicos.

          Uma sólida filosofia requer uma sábia avaliação de prioridades na vida, em oposição a ser absorvido por coisas não essenciais. Primariamente isso não é fácil para muitas pessoas, por causa do hábito condicionado de tratar como urgentes as coisas que são lançadas sobre nós pela sociedade e por outras pessoas, mesmo que essas coisas sejam realmente sem importância. Uma filosofia assim significa também que se adotou, com relação à vida, visões e atitudes sábias, racionais e de senso comum. Por exemplo, logo que tenhamos feito o melhor na resolução de um problema, não deveríamos mais nos afligir nem nnos preocupar a respeito das consequências inevitáveis, mas assimilar quaisquer que sejam as lições que possamos aprender da experiência.

Relaxamento físico

          A ausência de tensão é um ingrediente importante na vida meditativa. Perceber as tensões no corpo permite à pessoa deixar fluir, e naturalmente dissipar as energias bloqueadas. O conhecimento das técnicas apropriadas de respiração e percepção é útil para isso.

Calma emocional

          Essa é mais difícil de alcançar do que lidar com a tensão física, porque as emoções surgem de fatores mentais e sociais. Mas é possível, contanto que o indivíduo deseje fazer o esforço necessário. Para isso existem dois requisitos:

  1. Saber como liberar o congestionamento que causa reações involuntárias, sem suprimi-las ou expressá-las de maneira hostil. Isso é feito por meio do chamado “processamento emocional”, citado no livro O Processo de Auto-transformação (Ed. Teosófica).
  2.  Saber como evitar o acúmulo de novos padrões emocionais condicionados (“botões interruptores”) por meio da percepção constante.

          Presume-se que essas três precondições sejam praticadas na vida diária. Sem elas, a tranquilidade interior não é possível, e a meditação não será bem-sucedida.

Quietude mental

          Esse é o objetivo da prática meditativa em si. Como disse Patañjali, “yoga é a cessação das modificações da mente”. A quietude tem dois estágios principais. O primeiro é o domínio dos movimentos dos pensamentos comuns (“grosseiros”), e o segundo é a meditação propriamente dita, onde existe percepção alerta, mas ao mesmo tempo existe equanimidade de pensamentos, tanto grosseiros quanto sutis.

Estágios de meditação

          Presumindo-se que o corpo seja agora capaz de estar sossegado, que as emoções, que as emoções possam estar calmas e a vida geral do indivíduo não seja caracterizada por inconsistências ou contradições sérias, então a pessoa estará mais preparada para a prática da meditação propriamente dita, que consiste em duas fases:

O processo de domar

          As pessoas ficam surpresas ao descobrir que na verdade não detêm o controle de seus próprios pensamentos. Quando tentam parar de pensar, isto é, repousar a mente plenamente de qualquer atividade, a mente não para de modo algum. Ela continua pensando a respeito disso e daquilo, reagindo a um ou outro estímulo. Quando a pessoa escolhe pensar apenas em uma coisa, mesmo por um minuto, descobre que a mente simplesmente continua pensando a respeito de outras coisas.

          Isso quer dizer que a pessoa não detém o domínio sobre o mecanismo da mente. Ela é como uma máquina que funciona sem o operador. Quando o operador aperta o botão “parar”, a máquina não para. Simplesmente opera em modo automático, e temos a impressão de que estamos no controle quando na verdade somos apenas espectadores passivos dos seus movimentos.

          Assim, o primeiro estágio da prática meditativa é obter domínio sobre as atividades da mente. Devemos domar esse cavalo selvagem em nosso cérebro. Essencialmente, o que fazemos é prover uma conexão efetiva entre nossa vontade interior e os movimentos da mente.

          Essa fase é chamada dharana no yoga. Dharana é geralmente traduzida como concentração, mas talvez devêssemos redefini-la. A palavra significa “segurar firmemente”, isto é, ser capaz de suster um pensamento escolhido continuamente na percepção. Não é a concentração obstinada sobre um detalhe ou objeto, que geralmente cria tensão. É uma atenção leve, relaxada, sobre os conteúdos da mente e o retorno ao objeto ou palavra escolhido quando a atenção é desviada.

          O procedimento mais comum para se conseguir isso é selecionar duas âncoras para a qual retornar quando a mente for distraída por outras coisas. A primeira âncora deve ser visual, e a segunda, auditiva ou verbal.

          A âncora visual é qualquer ponto ou objeto no espaço. Geralmente é um ponto entre as sobrancelhas, a ponta do nariz, a respiração, ou o ponto entre o nariz e o lábio superior. É atenção gentil mas firme sobre o ponto escolhido. A âncora auditiva ou verbal é uma palavra que a pessoa repete mentalmente seguindo o ritmo da respiração. Pronuncia-se mentalmente a primeira sílaba na inspiração e a segunda na expiração. Se a palavra escolhida tiver uma única sílaba, diga-a mentalmente durante a expiração.

          Uma palavra conhecida na Índia é hamso (pronuncia-se râm-sou e significa “eu sou aquilo”) ou ham (“aquilo sou eu”). entre os zen budistas, a palavra mu (que significa “nada”) é usada na expiração. As palavras “Jesus” e “Maranatha” têm sido usadas na tradição cristã. “Um-dois” também pode ser usado. Qualquer que seja a âncora verbal, simplesmente permaneça com ela em estado de percepção alerta até que a mente esteja domada para reter apenas o pensamento que a vontade interior escolheu repetir.

          Esse estágio pode levar meses para ser dominado. Uma chave importante para o sucesso é a qualidade da mente durante o restante do dia. À medida que praticarmos esse processo de adestramento, notaremos um aprofundamento da percepção em nossa mente. Uma percepção periférica desenvolve-se cada vez que praticamos esse processo meditativo de domar a mente. Enquanto fizermos isso todos os dias, regularmente, essa percepção periférica se tornará cada vez mais permanente. Como resultado, nosso comportamento e ações se tornarão cada vez menos automáticos. Existirão cada vez menos reações tipo “reflexo patelar” em nossos sentimentos e pensamentos. Isso, por sua vez, produzirá mais calma na vida diária, assim como maior profundidade em nossa prática meditativa.

A meditação propriamente dita

          Quando a mente adquire um certo grau de autodisciplina ou adestramento, a pessoa observa que ela não voa para longe quando medita. Ao atingir esse estágio, estamos então prontos para a segunda fase da meditação. Essa é a verdadeira dhyana, ou meditação: quando há percepção do espaço da consciência no qual tanto os pensamentos concretos quanto os sutis são observados.

          É importante compreender que os pensamentos sutis existem na mente. São diferentes dos pensamentos que têm forma, cores e tamanhos. são mais difíceis de observar, mas são poderosas fontes de ações, reações, decisões e comportamentos. Um exemplo é a intenção. A intenção de pensar na palavra “grilo” é diferente de pensar na palavra em si. Existe um movimento mental antes de se pensar nessa palavra, e esse movimento quase nunca é observado. O pensador não o percebe, contudo ele existe.

          Dhyana ou meditação é um estado de consciência onde a pessoa percebe as camadas sutis de pensamentos e também lhes permite cessar naturalmente. Assim, a qualidade essencial da meditação não é mais a atenção focalizada, mas a percepção. É ma percepção reflexiva, onde se tenta perceber a própria intenção de perceber. Essa percepção leva ao estado de quietude, de não intencionalidade, mas ainda desperto e perceptivo.

          A manutenção do estado de meditação depende do sucesso que a pessoa tenha no estágio de domar a mente. Quando o estágio de adestramento não foi bem dominado, a mente continua retornando ao ruído usual dos afazeres da vida diária. São questões não resolvidas do presente ou do passado que surgem nos estados de quietude da pessoa, uma vez que as questões ainda carregam as energias não resolvidas e assim são auto-impelidas a se moverem quando existe um vácuo no campo de atenção.

          A capacidade de sustentar a percepção nesse nível sutil é em si mesma uma tarefa difícil. Quando o meditador é capaz de permitir que os pensamentos sutis se estabeleçam e se desvaneçam, chega a um estágio no qual é essencialmente livre do que é chamado estado “infeliz”. Nesse estágio de quietude meditativa não há mais lugar para a infelicidade, porque aquilo que chamamos de infelicidade pertence aos movimentos e às preocupações das emoções e da mente inferior. Nesse estado meditativo, as emoções e a mente inferior já estão aquietadas e tranquilas.

          É importante uma observação a respeito da energia da consciência. Muitas pessoas observam que quando meditam tornam-se as vezes sonolentas e tendem a dormir. Isso que dizer que falta energia ao cérebro para seguir em frente. Pode ser porque não se dormiu bem, ou há falta de energia na consciência para sustentar um estado elevado de percepção.

          A energia da consciência não está separada da energia que usamos para outros propósitos: raiva, preocupação, ansiedade, excitação, etc. Por isso, quando consumimos muita energia da consciência com infortúnio emocionais, ficamos com menos energia para a intensa percepção necessária à meditação profunda. É importante que a pessoa não desperdice energia na vida diária. Assim, uma maior quantidade dessa energia fica disponível para a busca do transcendente.

Rumo à transcendência

          Até aqui as práticas meditativas podem ser obtidas por aquilo que chamamos de esforço. Além desse ponto, as diretrizes comuns sobre meditação se desvanecem e não são mais aplicáveis. O esforço é uma intenção da mente, um desejo de atingir algo. Como tal, ainda é um pensamento. Mas quando todos os pensamentos desse tipo cessam, de onde virá a motivação ou a razão para continuar a se mover ? E quando não há motivo, como devemos nos mover rumo à transcendência ou iluminação ?

          Chegamos a um estágio crucial na meditação e na vida mística. Esse estágio é caracterizado por paradoxos: esforço sem esforço, ação sem ação, percepção sem escolha, etc. O poder motivador e impulsionador não mais são os pensamentos, as emoções e o corpo. Ele tem que vir da própria transcendência.

          Na prática da vida espiritual, chega um momento em que se desenvolve um elo entre o transcendente e a conscicência cerebral. O transcendente sempre esteve lá, mas a ligação entre ele e a consciência comum geralmente não é estabelecida. Esse elo é caracterizado pela presença de prajna ou consciência intuitiva, filtrando-se para o interior da mente. Dizem que somente uma porcentagem muito pequena de pessoas no mundo têm prajna desperto na consciência diária. Na maioria dos casos, esse despertar está em seu estágio incipiente, mas em alguns se tornou uma qualidade dominante da consciência.

          É esse prajna desperto que assume o crescimento e o desenvolvimento da consciência da pessoa. Não é mais uma questão de esforço ou intenção. É um crescimento inconsciente, como o de uma planta ou flor. Tudo que a pessoa pode fazer é regá-la e expô-la à luz do sol, provê-la de um ambiente nutritivo, mas o processo de germinação é um processo interno. O tratado místico Luz no Caminho (Ed. Teosófica) diz: “Crescei como cresce a flor, inconscientemente, mas basicamente ansiosa para abrir sua alma ao vento. Igualmente deves esforçar-te para abrir tua alma ao eterno. Mas deve ser o eterno a desenvolver tua força e beleza, não o desejo de crescimento. Pois num caso desenvolverás na exuberância da pureza, no outro endurecerás pela paixão impetuosa por desenvolvimento pessoal.”

          Outro tratado místico, de um desconhecido monge do século XIV, the Cloud of Unknowing, diz que uma busca assim deve estar além das palavras, desejos e fórmulas tornam-se nada mais que obstáculos. O quwe resta é uma “intenção nua”: “Chamo de intenção nua porque é totalmente desinteressada. Nessa obra o artesão perfeito não busca benefício pessoal ou isenção de sofrimento”. Krishnamurti chama isso de “estrada sem caminhos”, porque qualquer formulação, qualquer método, é mais uma vez o esforço da mente. Os zen budistas realçam a natureza não intelectual desse processo com exercícios que não permitem à mente oferecer soluções ou métodos para a busca.

          O livro “Luz no Caminho” expressa isso da seguinte maneira: “Está escrito que para aquele que está no limiar da divindade nenhuma lei pode ser formulada, nenhum guia pode existir. Contudo, para se iluminar, a luta final do dscípulo pode ser assim expressa: aferra-te àquilo que não tem substância nem existência. Ouve apenas a voz que é insonora. Considera apenas aquilo que é invisível tanto ao sentido interno quanto ao externo.”

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*Vicente Hao Chin Jr. é escritor e presidente da Sociedade Teosófica nas Filipinas.